Algumas palavras sobre F. Scott Fitzgerald


Fitzgerald    Hemingway    
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Escrito por: Scott Donaldson
Traduzido por: Jinnye Melo

No ano de 2011, as obras de Scott Fitzgerald entraram em domínio público na maioria dos países. Scott Donaldson, escritor da biografia Fool For Love: F. Scott Fitzgerald (Louco de amor: F. Scott Fitzgerald, sem publicação no Brasil), explora a índole obscura dessa lenda e o papel que as mulheres tiveram em sua vida e obra.

A biografia condena Fitzgerald mais do que a qualquer outro na literatura americana, com exceção de Poe. Quem se importa se F. Scott Fitzgerald é o autor de um romance extraordinário e perfeito como nunca visto na literatura americana, e de outro romance, mais longo e caótico, com uma tremenda energia emocional? Quem liga que ele escreveu algumas dezenas de contos que sob qualquer critério mereceriam o adjetivo “magistral”? Ignorando esses legados, grande parte do público ainda tende a pensar nele a partir das lendas de sua vida bagunçada e confusa, e a estereotipá-lo disso ou daquilo. Tão diminuto em estatura, Fitzgerald se torna o Cronista da Era do Jazz, ou o Artista Apesar de Si Mesmo, ou o estereótipo mais predominante, o caso do Escritor Rebaixado: um homem cujo percurso trágico funciona como uma fábula de advertência para uma posteridade mais sensata. Sua saga é uma tentação quase irresistível aos moralistas, de forma evidente ou encoberta. Não é certo passear no topo de um táxi, ou se divertir no chafariz do Plaza Hotel, nem seria certo beber em excesso ou abusar de um “áureo talento desperdiçado”. Ora, tome seu lugar e tente fazer diferente.

Esses conselhos estão normalmente implícitos, claro. Não se trata de um sermão, mas da história de amantes desventurados que chama mais atenção — o belo, brilhante e excêntrico Scott casou-se, pelo bem ou pelo mal, com a bela, obstinada e instável Zelda. Há uma curiosa pungência no modo como eles — Scott mais que Zelda, talvez — consideraram as alternativas e optaram pelo doce veneno matrimonial. De certa forma, nas repetidas versões dessa história, os Fitzgeralds foram descritos como um exemplo do glamour difuso da época, uma visão agora abandonada. Em 1980, a festa de abertura de uma exposição sobre Fitzgerald na National Portrait Gallery atraiu uma imensa multidão com o objetivo de celebrar esse passado esmaecido. A banda tocou músicas dos anos 40 de Glenn Miller e Benny Goodman, a década posterior à morte de Fitzgerald. Algumas mulheres arriscaram vestidos flapper, mas em sua maioria as roupas foram anacrônicas à música. Um homem, buscando uma elegância vintage, dançou com um elmo colonial. Os detalhes que importavam tanto a Fitzgerald, um homem em precisa sintonia com seu tempo, importaram muito pouco aos participantes da festa que relembrava sua lenda. Zelda e Scott, Scott e Zelda — eles são tão consolidados no imaginário coletivo como jovens rebeldes e adoráveis aos quais desastrosamente tudo deu errado que tem sido difícil deixar essa imagem de lado e concentrar-se na obra que estabeleceu Scott como um dos maiores artistas literários do século 20.

Henry James, biógrafo além de romancista, entendeu toda a verdade que ninguém poderia ter dito: “Só podemos aferir aquilo que se encaixa no todo”. Só entendi muitas décadas depois da faculdade e cinco anos de pesquisa intensa o que era mais óbvio na obra e na vida de Fitzgerald: sua vaidosa compulsão em agradar. Ele queria agradar aos homens, mas fez um péssimo trabalho. Seus colegas de Princeton o consideravam excessivamente inquisitivo e leviano. O pai de Zelda não o achava confiável. Ernest Hemingway, um de seus melhores amigos em meados da década de 20, acabou por desprezá-lo. Fitzgerald era muito melhor em agradar as mulheres. Os leitores de sua ficção podem não se surpreender com isso, pois ele é um dos escritores mais andróginos, com uma rara capacidade em colocar-se no lugar de personagens de qualquer sexo. “Todos os meus personagens são Scott Fitzgeralds”, ele reconheceu. “Até minhas personagens mulheres são Scott Fitzgeralds femininas.” Uma série de instruções, elaboradas aos 18 anos para sua irmã mais nova, fornecem evidências convincentes dessas afirmações. Nesse documento singular ele ensinava sua irmã as melhores maneiras de conquistar garotos: como se arrumar, como dançar, como conversar, como elogiar. E a androginia está por todo canto nos seus contos e também nos romances, o que explica porque a maioria das universitárias continuam atraídas pela sua obra.

Dotado de sensibilidade, Fitzgerald fazia o jogo do flerte muito bem. Quando jovem era um galanteador de primeira. “Conheço um adjetivo que simplesmente te define”, ele diria a uma parceira de dança no início da noite, mas mantinha o tal elogio em segredo, para aumentar as expectativas da moça. Ele era bonito, e ficava à vontade na companhia de garotas. Ele as ouvia como poucos garotos faziam, e deixava claro que se importava consideravelmente com o que elas pensavam dele. Depois, como homem casado, continuou a cortejar mulheres. Ele não conseguia evitar. Precisava da aprovação delas, ou seja, de seu amor e adoração por ele. Zelda Sayre Fitzgerald pode ter sido a mulher mais importante na vida dele, mas ela não era e nem poderia ser a única.

Fitzgerald sofreu um tremendo baque quando Ginevra King, de Lake Forest, ao norte de Chicago — uma das debutantes mais ricas e bonitas de seus dias — desprezou-o para casar com um jovem de sua mesma classe social. A rejeição devastou Fitzgerald, mesmo que isso o tenha abastecido de assunto para grande parte de sua ficção. Há provavelmente mais personagens em suas histórias e romances inspirados em Ginevra que em Zelda Sayre, que o conquistou logo após essa decepção. Através da alteração das circunstâncias do enredo, Fitzgerald trabalhou com variações do antigo tema da batalha dos sexos.

O que é incomum sobre a forma como Fitzgerald trata do tema é sua evolução — tanto em sua obra como em sua vida — dos jogos de flerte de sua adolescência para a ardente batalha de sua masculinidade juvenil e então para a guerra deliberada de sua maturidade. Talvez, nos inclinamos a pensar que Amory Blaine não sofrerá muito por ter levado um fora de Rosalind Connage em This Side of Paradise (Este lado do paraíso, 1920), primeiro romance de Fitzgerald. Mas Gatsby morre por Daisy em sua obra-prima de 1925, e Dick Diver é despido de seu vigor e dispensado por Nicole e sua família em Suave é a noite, de 1934. Na abordagem ficcional de Fitzgerald da guerra entre os sexos é quase sempre o homem que acaba derrotado. Ao retratar repetidamente a ruína de suas figuras masculinas, Fitzgerald imaginava o que poderia ter acontecido (se Zelda não tivesse sido afligida pela esquizofrenia) e também — ao que parece — censurando a si mesmo por suas fraquezas. Tende is the Night (Suave é a noite), em particular, é um romance sobre os efeitos debilitantes do encanto. Compelido a agradar a todos à sua volta (especialmente as mulheres), Diver destrói o trabalho da sua vida e sua utilidade como ser humano. O Fitzgerald real, assim como o protagonista que criou, acabara por desprezar a si mesmo por sua “agradabilidade fatal”, uma autorrrepulsa que notadamente surgiu sob a influência do álcool. O alcoolismo age como um mal-estar interno ao longo da vida de Fitzgerald e de muitos de seus personagens masculinos. Seu triunfo veio nos últimos anos de sua vida, quando — supostamente arruinado em Hollywood — ele deixou de lado essa obsessão, parou de beber, a voltou a ser o que ele chama de “apenas um escritor”.

Scott Donaldson


Um dos principais biógrafos literários dos EUA, Scott Donaldson escreveu oito livros sobre autores americanos do século 20. Estes incluem Poet in America: Winfield Townley Scott (1972), By Force of Will: The Life and Art of Ernest Hemingway (1977), Fool for Love, F. Scott Fitzgerald (1983), John Cheever: A Biography (1988), Archibald MacLeish: An American Life (1992), vencedor do Ambassador Book Award de 1993 por biografia, Hemingway vs. Fitzgerald: The Rise and Fall of a Literary Friendship (1999), Edwin Arlington Robinson: A Poet’s Life (2007), indicado a melhor biografia do ano pelo Contemporary Poetry Forum e Fitzgerald e Hemingway: Works and Days (2009). O presente artigo foi extraído do prefácio de uma nova edição em brochura de seu Fool for Love: F. Scott Fitzgerald, da University of Minnesota Press.

Link do artigo original.



Jinnye Melo


Tradutora.



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