O Pinocchio e eu — ou Eis como me senti


infantil    Itália    
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Escrito por: Adriana Zoudine
Traduzido por:

Como tradutora, eu bem podia falar sobre os aspectos técnicos do processo e sobre a dificuldade de se traduzir um texto já antigo, com quase 140 anos de existência, e lamuriar sobre a presença constante de termos arcaicos e do vocabulário e de expressões do dialeto toscano. Mas não foi tanto assim, e nem de longe foi o que mais me marcou ao desenvolver este trabalho.

Fiquei, sim, profundamente comovida: uma espectadora desfrutando das delícias de se retornar aos primórdios do Pinocchio original — sem os “panos quentes” das versões Disney, romantizadas e atenuadas. Confesso que fui surpreendida e fiquei chocada com um Pinocchio “real” que, já no primeiro confronto de só uns minutos com o Grilo-Falante, mete um tapa na orelha dele, deixando-o estatelado contra a parede…

Pinocchio, um ente imperfeito, politicamente incorreto (aliás, incorreto em todos os sentidos), aventureiro, livre de espírito e de corpo, eventualmente violento, despreocupado, desobediente, egoísta, sem consideração, divertido, perverso, constantemente ameaçado, muitas vezes arrependido, mortificado, com o coração que explode com as emoções diárias, de tirar o fôlego.

No final das contas, uma criança rueira como sempre existiu, que corre e pula e puxa e xinga e se deixa levar; mas que, no fim, aceita as consequência das suas (quase sempre más) ações, estando sempre cercado por humanos e seres fantásticos estupefatos que, gostando profundamente dele, perdem a paciência e a razão com essa marionete descontrolada, mas nunca a determinação de tentar colocá-lo no bom caminho, para que ele dê o devido valor ao que possui e tenha uma vida boa.

Enfim, a delícia de sair da “camisa de força” do tudo certinho, expondo esse pestinha de madeira que representa, em suma, a essência, a natureza, as hesitações e as contradições humanas.

O texto é um prato cheiro de imagens para os ilustradores, cujo criação complementa, desde sempre e com muita graça, as letras sobre o papel.

Gostaria, ainda, de salientar um aspecto novo para mim: Pinocchio — sim, escrito assim, como no texto original;e como não me surpreender por ter finalmente entendido o significado do nome? Pinocchio é o termo toscano que designa o gostoso pinolo, ou, no plural, pinoli, aqueles frutos do pinhão de pinheiros típicos dos países mediterrâneos. Tudo isto tem para mim, hoje em dia, um sabor especial, depois que, com os anos, aprendi o italiano e visitei muitas vezas a sempre surpreendente Itália.

Como pode um texto tão antigo e tão familiar voltar a entrar, esperneando, em nossos corações?

 

Adriana

Adriana Zoudine


Adriana Zoudine é formada em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e em Educação Artística pelas Faculdades Metropolitanas Unidas FIAM-FAAM. Durante sua carreira em engenharia, morou em São Francisco e em Buenos Aires e fez viagens periódicas a países europeus, com mais frequência à Itália. Após se aposentar, cursou o Programa Formativo para Tradutores Literários da Casa Guilherme de Almeida, passando a participar continuamente de eventos, palestras e cursos na área de tradução. Atualmente se dedica à tradução literária, colaborando com o Instituto Mojo na tradução de obras e artigos em domínio ao público, e outras editoras. Traduz para a plataforma Babelcube Inc., sempre com foco principal na literatura italiana.

Para a Mojo, Adriana já traduziu, além de artigos como Memes da Idade Moderna e Pequenos vermes invisíveis; os livros de ficção Contos sardos (Racconti sardi, 1894), de Grazia Deledda, As aventuras do Pinocchio (Le avventure di Pinocchio, 1883), de Carlo Collodi, e Anne, de Green Gables (1908), de L. M. Montgomery.






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