Escrito por: William C. Carter
Traduzido por: Joyce Miller
A tradução de Scott Moncrieff para o inglês da obra À La recherche du temps perdu, de Marcel Proust, foi aclamada pela sua grandiosidade como uma obra notável. No entanto, sua interpretação do título como Remembrance of Things Past [“Lembranças das coisas passadas”], não é considerada o seu ponto alto. William C. Carter explora as correspondências entre os dois homens a respeito dessa questão um tanto espinhosa e como o título Shakesperiano errou o alvo em relação à teoria da memória de Proust.
Embora a tradução de Charles Kenneth Scott Moncrieff de À la recherche du temps perdu seja considerada por muitos críticos e escritores como a melhor tradução da obra para a língua inglesa, a escolha de Remembrance of Things Past para o título alarmou o gravemente doente Proust e induziu gerações inteiras de leitores ao erro quanto à verdadeira intenção do romancista. Somente em 1992 o título foi finalmente alterado para Search of Lost Time [“Em busca do tempo perdido”]. Remembrance of Things Past é um belo verso do soneto 30 de William Shakespeare, mas transmite uma ideia totalmente oposta à de Proust. Quando Scott Moncrieff escolheu este título, com certeza não sabia para onde Proust iria com a história e não interpretou corretamente. Poderia facilmente ser entendido como um esforço passivo de uma pessoa idosa em recordar os dias passados.
A teoria da memória de Proust rejeita a ideia que ele chamava de memória voluntária, em que poderíamos simplesmente sentar e ressuscitar o passado em sua total vivacidade. Quando tentamos fazer isso, descobrimos que não funciona muito bem. Lembramos muito pouco e frequentemente apenas de uma forma casual e bastante insossa. Por outro lado, o título de Proust sugere uma abordagem diferente: a busca do narrador (recherche significa pesquisa e investigação em francês) é uma busca ativa e árdua, na qual o passado deve ser redescoberto — em parte através do que Proust chamava de memória involuntária, como demonstrado na famosa cena das madeleines — em seguida, analisado, compreendido, e finalmente, se sua ambição for preservá-lo por escrito, transposto e recriado em um livro. Como veremos, Proust viveu o suficiente para ver o título Remembrance of Things Past e, embora se opusesse a ele, não tomou medidas para mudá-lo.
Nativo da Escócia, Scott Moncrieff serviu como capitão nas fronteiras escocesas durante a Primeira Guerra Mundial. Antes de ler À la recherche du temps perdu, ele já tinha feito sua fama como tradutor de grandes obras francesas, como La Chanson de Roland [A canção de Rolando] e dois romances magistrais de Stendhal, Le Rouge et le Noir [O vermelho e o negro] e La Chartreuse de Parma [A cartuxa de Parma]. Após a Guerra, Scott Moncrieff trabalhou como secretário de Lord Northcliffe, além de ser editor no jornal The London Times. Em janeiro de 1920, Scott Moncrieff, aos trinta anos, demitiu-se do cargo no The Times para se dedicar inteiramente à tradução de À la recherche du temps perdu.
Proust não tinha ideia de sua boa sorte em ter tal tradutor. Suas preocupações foram baseadas, em grande parte, em uma carta de Sydney Schiff, um romancista e tradutor britânico que escrevia sob o pseudônimo de Stephen Hudson. Ele e sua esposa Violet liam em francês e estavam entre os primeiros na Grã-Bretanha a descobrir e amar Swann’s Way [“No caminho de Swann”] e, posteriormente, estabeleceram uma amizade com Proust. Em Londres, 9 de setembro de 1922, Schiff leu este anúncio no The Athenaeum:
Messers Chatto & Windus, como editores, e o Sr. Scott Moncrieff, como autor, têm quase pronto o primeiro capítulo de Remembrance of Things Past de M. Marcel Proust na tradução inglesa. O título deste volume inicial é Swann’s Way.
Schiff, que há muito pensava que era o único inglês capaz de traduzir À la recherche du temps perdu, opôs-se aos títulos de Scott Moncrieff. Por mais incrível que pareça, Schiff não percebeu que o título geral vinha do soneto de Shakespeare, cujas linhas de abertura eram: “When to the sessions of sweet silent thought/I summon up remembrance of things past…” (“Quando as sessões do doce pensamento silencioso / invoco a lembrança das coisas do passado”). Em sua carta a Proust, Schiff lamentou a perda do duplo sentido do título francês — tempo desperdiçado e perdido sua “nuance melancólica etc.”. Mas ainda mais surpreendente, foi a má interpretação de Schiff de sua língua nativa; ele traduziu Swann’s Way de Proust como A la manière de Swann [“In the Manner of Swann”, ou “À maneira de Swann”], como se esse fosse seu único significado possível. (Mais tarde, Schiff faria as pazes e se tornaria um bom amigo de Scott Moncrieff.) Naturalmente, Proust, que sabia algo sobre a arte da tradução a partir de suas próprias traduções de obras de John Ruskin, ficou alarmado ao ler a reação de Schiff e sua interpretação dos títulos de Scott Moncrieff.
Proust escreveu a Schiff, dizendo que certamente não pretendia “deixar Du côté de chez Swann ser publicado sob o título que me informou. Não sabia nada sobre esta tradução”. É claro que Proust sabia — ou deveria saber — sobre a tradução de Scott Moncrieff, uma vez que seu editor Gallimard tinha pedido que a analisasse meses antes, o que o romancista recusou. Proust, cuja saúde piorara novamente, esperou quase uma semana antes de escrever para Gallimard. Nesse momento, contou ele, além de “cair a cada passo”, seus problemas de fala haviam retornado. Ele então transmitiu as preocupações sobre as traduções de Schiff para Gallimard. O autor não poderia aceitar o título que significava “In the manner of Swann” [“À maneira de Swann”]. Era “inaceitável”. Ele lembrou Gallimard que Du côté de chez Swann e Le Côté de Guermantes indicavam duas caminhadas separadas em Combray. O título inglês não fazia sentido; certamente devia ser um erro. Proust concluiu: “Valorizo muito o meu trabalho para permitir que um inglês o destrua”.
Gallimard respondeu que tal distorção dos títulos de Proust estava realmente fora de questão e que faria tudo o que pudesse para impedir. Gallimard logo recebeu as cópias adiantadas do Swann’s Way em inglês. Ele retirou dos arquivos o contrato de Proust com o editor inglês e sua própria carta a Proust, oferecendo-se para inspecionar a tradução de Scott Moncrieff. Gallimard teve algumas notícias encorajadoras: ele tinha falado com Victor M. Llona, seu agente para os Estados Unidos e a Inglaterra, “que conhecia o inglês admiravelmente bem” e lhe assegurou que Swann’s Way [“No caminho de Swan”] não era de todo ruim para o título; era de fato “muito bom”.
Em outubro, Proust, que não viveria o suficiente para apreciar a excelência do trabalho de Scott Moncrieff, trocou cartas com seu tradutor: “Fiquei muito lisonjeado e comovido com o trabalho que teve para traduzir o meu Swann”. Por causa do terrível estado de saúde, Proust disse ser um milagre ele poder agradecer a Scott Moncrieff. Embora não tivesse lido o volume inteiro, o autor tinha “uma ou duas críticas”. A primeira foi explicar que o título geral não significava de modo algum Remembrance of Things Past [Lembrança das coisas do passado]. Proust lamentou a omissão do termo “Lost Time” [Tempo perdido], que “é encontrado novamente no final da obra: Time Regained [Tempo recuperado]. Quanto a Swann’s Way [A maneira de Swann], pode significar Du côté de chez Swann, mas também Swann’s manner [Os modos de Swann]. Adicionando ‘to’ teria feito com que tudo corresse bem”. A sugestão de Proust de corrigir esse último título parece confirmar o conteúdo de sua frase seguinte, em que admitiu ter esquecido todo o seu inglês.
A resposta de Scott Moncrieff, escrita no timbrado do Savile Club, foi modesta e breve:
Meu caro senhor, peço que me permita agradecer, foi muito gratificante receber sua carta em inglês, pois o meu conhecimento de francês — como me mostrou, no que se refere aos seus títulos — é demasiado imperfeito e atrofiado para que eu possa tecer a partir dele o chapelet que lhe ofereceria. Ainda está a sofrer — o que lamento muito, e gostaria que minha sincera compaixão lhe trouxesse algum alívio. Estou respondendo a suas críticas em outra folha, e com a ajuda de uma máquina que espero que não abomine: é a máquina em que Swann e um terço dos Jeunes Filles foram traduzidos. Assim o senhor pode jogá-la fora antes de ler, mantê-la, ou infligi-la ao sr. Gallimard.
Charles Scott Moncrieff.
Proust ou alguém descartou a folha ou a perdeu. Assim, não sabemos como o tradutor justificou sua escolha do título geral que Schiff e Proust foram os primeiros, mas nem de longe os últimos a criticar. Proust já estava doente com uma pneumonia que o mataria em poucos meses. Ele morreu em 18 de novembro de 1922.
Scott Moncrieff morreu em 1930, aos quarenta anos, deixando sem tradução o volume final Le Temps Retrouvé. Sua tarefa seria completada por Sydney Schiff, usando pseudônimo de Stephen Hudson. Schiff dedicou a sua tradução: “Em memória do meu amigo CHARLES SCOTT MONCRIEFF, o incomparável tradutor de Marcel Proust”. Le Temps Retrouvé tinha dois outros tradutores ingleses: Andreas Mayor e Frederick A. Blossom.
A dívida de Proust para com Scott Moncrieff é enorme, assim como a de todos os leitores que descobriram pela primeira vez esse vasto romance em tradução inglesa. Em uma carta de 1939 para sua filha Scottie, F. Scott Fitzgerald deu sua opinião: “Proust de Scott Moncrieff é uma obra-prima em si”. Harold Bloom observa que Scott Moncrieff tornou possível que In Search of Lost Time [Em busca do tempo perdido] se tornasse “amplamente reconhecido como o maior romance do século 20”.
William C. Carter
William C. Carter é professor emérito de francês na Universidade do Alabama em Birmingham. Sua biografia “Marcel Proust: A Life” foi selecionada como um “Livro Notável de 2000” pelo The New York Times. Sua nova edição comentada da tradução de “Swann’s Way” de Scott Moncrieff está disponível na Yale University Press. O site da Carter é Proust-ink.com.
Link do artigo original.
Joyce Miller
Tradutora.