Pirataria no Old Bailey


era vitoriana    inglaterra    
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Escrito por: Ben Merriman
Traduzido por: Marina Jarouche

Ben Merriman traz uma seleção de casos de pirataria diretamente do acervo de procedimentos legais do Tribunal Central Criminal de Londres, conhecido como Old Bailey. Apesar de alguns poucos se encaixarem no estereótipo de pilhagens e abordagens de navios, muitos revelam a natureza surpreendentemente mundana dos crimes marítimos levados à corte, incluindo casos envolvendo uma discussão acerca de galinhas e o roubo dos chapéus de um capitão.
Quadro de Ambroise-Louis Garneray, por volta de 1800, retratando um navio pirata abordando um navio mercante. Fonte.
Quadro de Ambroise-Louis Garneray, por volta de 1800, retratando um navio pirata abordando um navio mercante. Fonte.

Durante séculos, Old Bailey foi a principal corte criminal da cidade de Londres. Registros impressos de aproximadamente 200 mil julgamentos — os procedimentos legais —  foram publicados entre 1674 e 1913. Esses processos descrevem pessoas comuns enfrentando, na maioria das vezes, problemas legais triviais: três quartos dos indiciados estavam no banco dos réus por roubo, e, no geral, os julgamentos tratavam de assuntos ordinários. Entretanto, o Old Bailey também tinha jurisdição sobre muitos casos de pirataria marítima. Estes se destacam dos muitos julgamentos que lidavam com ocorrências em Londres e arredores.

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A embarcação Dove estava ancorada no porto de Leghorn quando Edward Johnson esfaqueou o Capitão Benjamin Hawes com uma pequena lâmina, perfurando seu coração. O grumete Walker achou o corpo de Hawes em sua cabine. Ao apressar-se para o deque para notificar o imediato, encontrou este e a tripulação se preparando para zarpar imediatamente, já que todos faziam parte de uma trama para tomar a embarcação. Walker lançou-se ao mar e nadou até um grupo de embarcações próximas e cujas tripulações conseguiram resgatar o Dove antes de sua partida. A tripulação buscava escapar com o navio pois ele pertencia a judeus, de quem não era pecado roubar.

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George Geery se iniciou na vida marítima em tenra idade e, não sendo sua reputação das melhores, emprestou o sobrenome Wood de um amigo já falecido e amplamente reconhecido por sua honestidade. Geery, codinome Wood, navegou no Black Prince, que espoliou embarcações por todo o Atlântico até encalhar perto da Ilha de São Domingos durante uma tempestade. Lá, a tripulação conseguiu passaportes falsos e navegaram até Portugal, onde Geery desertou com um colega. Ele não foi enforcado por seus serviços a bordo do Black Prince, mas sim por uma transgressão cometida mais tarde: embarcar ilegalmente no Derge Sustures e roubar diversos chapéus do capitão.

Detalhe da folha de rosto do livro News from sea, of two notorious pyrats Ward the Englishman, and Danseker the Dutchman (1609). Fonte.
Detalhe da folha de rosto do livro News from sea, of two notorious pyrats Ward the Englishman, and Danseker the Dutchman (1609). Fonte.

O barco a vapor Lion partiu de Londres em direção ao porto de Harlingen, nos Países Baixos. Quando o navio estava se preparando para retornar à Inglaterra, o Capitão Henry William Neville notou um bando de galinhas sendo trazidas a bordo. Ao questionar o motivo, o capitão foi informado de que as aves haviam sido trazidas pelo primeiro engenheiro John Jennings Smith, que planejava levá-las de volta a Londres sem pagar nada. Quando o Capitão avisou Smith de que ele teria que pagar a taxa usual de embarcação para suas galinhas, este ordenou aos berros que o restante da tripulação parasse de alimentar as fornalhas e as preparações para zarpar, no que foi atendido prontamente. Nem o imediato, nem o agente de navegação da empresa, um cavalheiro da cidade de Harlingen, nem o cônsul britânico conseguiram convencer Smith e seus oito aliados a retornar ao navio, que voltou para Londres três dias mais tarde com uma tripulação substituta. Não obstante, no julgamento, chamou a atenção da corte que o imediato não submetera os contratos devidos antes de o Lion zarpar; os nove não eram, portanto, marinheiros aos olhos da lei e foram imediatamente absolvidos.

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O navio St. John Pink deixou Padras carregado de cereais. Logo após partir, dois dos grumetes escutaram um tumulto à noite: o Capitão Benjamin Hartley estava sendo atacado pela sua tripulação. Após um disparo malsucedido de seu bacamarte, Richard Coyle, um marinheiro, tentou atirar o capitão do navio, mas Hartley segurou-se nas passadeiras. Coyle, então, surrou o capitão pendurado no flanco do navio com uma pequena pá, também sem sucesso. John Richardson, um carpinteiro, deu um golpe de machado na cabeça do capitão, que caiu no mar e morreu. O navio, agora sob o comando de Coyle, zarpou em direção a Malta mas não atracou, pois os grumetes não concordaram em unir-se aos insurgentes. Mais tarde, o St. John Pink aproximou-se de Foviano, onde Coyle, vestindo o uniforme do falecido capitão, saiu em missão para comprar bebidas. Ninguém as queria vender. Na mesma noite, os grumetes aprisionados no porão escaparam. Eles pegaram um bote rumo à costa para alertar as autoridades locais. Coyle fugiu do St. John Pink em um bote, mas foi capturado na Tunísia. No julgamento, ele conseguiu testemunhas para atestar seu caráter, porém, uma delas mal lembrou-se dele, e a outra recordou que Coyle havia furado a lateral de um navio certa vez.

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O Jane deixou a costa do México quando William McClive e Levi Thomas roubaram um de seus botes e, com ele, uma boa quantidade de roupas, um relógio de prata e outros itens. Apesar de não negarem o roubo do barco, eles alegaram, para tentar amenizar a pena, que estavam muito bêbados quando do ocorrido.

Detalhe do quadro Grote Pier maakt de Zuiderzee onveilig, 1516 (1784) de Simon Fokke. Fonte.
Detalhe do quadro Grote Pier maakt de Zuiderzee onveilig, 1516 (1784) de Simon Fokke. Fonte.

O Experiment, um navio pesqueiro, começou a vazar e foi forçado a aportar em Scarborough, onde foi calafetado e consertado. Isaac Cooper, que comandava a embarcação no lugar do proprietário, aportou o navio em New Dieppe, vendeu seu equipamento e  toda a pescaria arrecadada durante a viagem e ficou com o dinheiro para ele. Cooper seguiu navegando até que o Experiment foi alcançado por um navio a vapor algumas semanas mais tarde. A tripulação do vapor capturou o Experiment e seus oficiais, levando todos para casa.

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O capitão William Lawrence queria dinheiro. Após sua dispensa da Marinha Real com apenas uma fração dos vencimentos devidos a ele, adaptou o Lark para o corso e assumiu o comando. Entretanto, sua tripulação nunca conseguia saques valiosos, apenas embarcações neutras suecas e holandesas. Finalmente, após muitas frustrações, o Lark atacou e abordou o Enighadt, um navio holandês vindo de Londres. Lawrence, com outros dois oficiais, roubou produtos têxteis com valor estimado de mil libras esterlinas, além dos bens pessoais dos passageiros. Apesar de Lawrence ter contestado alguns pontos da acusação, ele admitiu ser um pirata e merecer morrer.

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John Mackarel foi indiciado por praticar pirataria em rios, mas, no dia marcado para seu julgamento, o promotor de acusação não compareceu ao tribunal. As acusações foram arquivadas.

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O maltês naturalizado John Tune era capitão do navio corsário Young Eagle, que ilegalmente abordou o Guilaume, um navio particular, enquanto este navegava em direção a Bilbao. Durante dois anos, uma mulher, que se apresentou como sua esposa, o visitou enquanto ele aguardava pelo julgamento e execução. Mas, no fim, foi revelado que a mulher com quem ele era legalmente casado havia morrido em decorrência do abalo de sua acusação. Sua visitante era, muito provavelmente, uma prostituta. O capelão da prisão de Newgate observou que Tune reclamava muito, além disso, suspeitava que fosse secretamente católico.

Captain Robert e sua tripulação festejando às margens do rio Calabar, extraído do livro The Pirates Own Book (1837) de Charles Ellms. Fonte.
Captain Robert e sua tripulação festejando às margens do rio Calabar, extraído do livro The Pirates Own Book (1837) de Charles Ellms. Fonte.

Ben Merriman


Ben Merriman é doutorando no Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago e editor de ficção na Chicago Review. Os ensaios de Ben foram publicados em n + 1, Threepenny Review, Democracy, the Chronicle of Higher Education, e muitas outras revistas.

Link do artigo original.



Marina Jarouche


Tradutora



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